Post Inaugural

Por que começar um blog/newsletter? E para falar sobre cidades, infra-estrutura, planejamento urbano?

Pessoalmente, eu acho muito natural ser “obcecado” pelo assunto. Começando por alguns first principles:

  • A qualidade da infra-estrutura urbana tem um impacto gigantesco na qualidade de vida das pessoas. 

  • A qualidade (e quantidade) de infra-estrutura urbana é um problema seríssimo no Brasil.

  • Não sou arquiteto, engenheiro ou urbanista, mas como brasileiro convivo com efeitos desse problema cotidianamente e acredito que esse assunto precisa ganhar mais evidência. 

  • Cabe a todos lutar por melhorias e fazer o possível para que as futuras gerações morem em cidades melhor planejadas e construídas.

Um primeiro problema é que qualidade de infra-estrutura urbana pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes, e mudar de significados dependendo do contexto e momento que é aplicado. 

Mais ainda, a discussão de contexto para analisar problemas e soluções deveria se basear numa abordagem mais comparativa e na medida do possível objetiva.

Daí que vem o título desse blog/newsletter: Fora do Grid Back to the Grid

O “grid” (“grade” na tradução direta) é um elemento essencial na história do planejamento urbano urbano em inúmeros casos, desde a Roma Antiga, passando pelo Estados Unidos e toda América Latina espanhola.

No Brasil, claro, exemplos de planejamento em grid são raras (raríssimas?) exceções. Mas esse é um assunto que se discute pouco. Colocar o grid no título do blog não deixa de ser uma maneira de chamar atenção ao assunto.

E por que "fora" dele? Bom, além de ficar um nome curto e memorável (espero), não deixa de ser verdade que sou um outsider em qualquer discussão urbanística. E como bom outsiderespero poder trazer uma perspectiva diferente.

(Embora "Back to the Grid" parece muito também um podcast hardcore de F1...)

E para dar um exemplo de diferença de perspectiva, nesse texto vou abordar dois tópicos; um que acredito ser overrated e overexposed; outro um mini exemplo de infraestrutura raramente citado mas que afeta dramaticamente a vida das pessoas.

O primeiro tópico é "adensamento"; o segundo é "largura de vias". Back to the Grid não é um podcast de automobilismo, mas apertem os cintos! kkk

Exemplo de um problema overrated

Adensamento é bom exemplo de assunto que costumar ser abusado. Claro, é um tópico essencial. E certamente é algo que precisa ocorrer em muitas cidades brasileiras (precisamos combater o sprawl mal planejado e obrigar os trabalhadores a fazer longos trajetos até o trabalho etc.)

Porém...

Porém, adensamento não é uma solução universal. Certamente existem cidades no Brasil que já atingiram um adensamento “ideal”. E devem existir cidades que se beneficiariam de um algum des-adensamento. Mas é difícil ler algum artigo mencionando essas nuances. 

Aliás, até o problema central de separar com grandes e demoradas distâncias as moradias dos trabalhadores de seus locais de trabalho é uma questão de planejamento, não necessariamente de adensamento.

Mais que isso, adensamento é um assunto complexo, que pode variar de um bairro a outro bairro em cada cidade.

Quase toda defesa de adensamento que eu leio naturalmente assume a existência (atual ou eventual) da infra-estrutura necessária, incluindo áreas verdes e públicas adequadas, o que é longe de ser o caso no Brasil. Eu acho difícil encontrar uma menção direta, pelos proponentes, ao fato que alto adensamento com infra-estrutura deficiente pode só piorar as coisas.

Também vale dizer que o adensamento serve como um excelente pretexto para incorporadores maximizarem seus resultados particulares e prefeituras arrecadarem mais IPTU, outorgas onerosas etc., independentemente dos verdadeiros méritos ou deméritos de um plano de adensamento em particular.

Enfim, fala-se muito de adensamento, mas não adianta tratá-lo como uma panacéia e, muito importante, a discussão de adensamento não deveria tirar espaço para discussão de outros tópicos igualmente cruciais.

Um pequeno exemplo de problema underexposed

Um assunto que costuma ganhar pouca atenção, mas afeta dramaticamente a qualidade de vida das pessoas: a largura de vias de circulação.

Eu gosto desse exemplo porque ele pode parecer tão trivial. E também óbvio.

É natural dizer que as vias de circulação, as ‘faixas’ de asfalto sobre as quais veículos trafegam, precisam ter larguras mínimas e adequadas às velocidades projetadas. Mas o óbvio não é respeitado em muitas cidades brasileiras que conheço.

Por inúmeros motivos, começando pela falta de planejamento, é comum ver carros, ônibus, caminhões, motocicletas, bicicletas, pedestres, scooters e patinetes (e mesmo animais) compartilhando vias das mais variadas velocidades máximas que são na prática estreitas demais.

Segurança

Isso, em primeiro lugar, é um problema de segurança. Distâncias adequadas entre carros andando em paralelo, seja na mesma direção ou em sentidos opostos, são essenciais para evitar todo tipo de acidente, inclusive os mais graves. 

A largura adicional protege as pessoas:

  • Quanto menor a distância do carro ao lado, mais fácil que qualquer imprevisto cause colisão. 

  • Gera mais espaço para as motos andarem no meio do fluxo (o que não deixa de ser outra realidade problemática para outro post).

  • A largura adicional ajuda motoristas desviarem de animais, pedestres, crianças que eventualmente se desgarram dos pais na calçada. 

  • Larguras adicionais evitam acidentes quando motoristas tentam desviar de buracos, defeitos na pista, tampas de bueiro muito mal-colocadas etc.

  • A largura adicional acomoda melhor a grande quantidade de ônibus e caminhões que circulam em nossas ruas. 

  • A largura adicional ajuda os ciclistas permanecerem vivos e seguros. Etc.

 A largura das vias pode ser a diferença entre stress e tranquilidade

Diretamente relacionado com a segurança, a largura das ruas oferece uma significativa redução no stress de toda população afetada.

  • Com mais largura nas ruas, a tarefa de abrir a porta de um carro estacionado no meio-fio deixa de ser uma experiência de vida ou morte. 

  • Estacionar o carro no meio se torna menos desafiador. Assim como fazer conversões a esquerda em vias de mão dupla etc.

  • Largura adicional pode até permitir que mais carros estacionem junto ao meio fio (em angulo de 45º etc.)

  • Andar de bicicleta fica menos estressante. Pais podem ficar mais tranquilos de permitir crianças pedalando até a escola.

Ou seja, toda a experiência de dirigir ou ser passageiro de um veículo se torna menos angustiante quando os afastamentos laterais são generosos. Vias adequadas tornam viagens até mais agradáveis.

Até a segurança e bem-estar dos pedestres sobre as calçadas depende muito desse aspecto. Quanto mais rente às calçadas os veículos são obrigados a trafegar, pior é a experiência sobre a calçada.

Tente calcular a "quantidade" de stress ou bem-estar gerado pelas ruas da sua cidade a cada dia e ano...

Mobilidade

Por último, faixas estreitas também atrapalham a mobilidade urbana. As larguras adequadas são necessárias para que os veículos possam desenvolver as velocidades médias para as quais as vias (supostamente) foram projetadas.

Mobilidade urbana é um problema seríssimo no Brasil, em muitas cidades. Uma malha urbana precisa de uma composição ideal de vias expressas, arteriais, coletoras, locais. A preservação de larguras adequadas para cada tipo de via é um elemento importante nesse contexto. 

Na prática, o improviso com a largura das vias é mais um fator que desarranja a estrutura viária e prejudica a mobilidade.

Quem estreitou minha rua?

Não faltam motivos pontuais para o problema das ruas estreitas:

  • A implantação de faixas exclusivas para ônibus em ruas existentes, por exemplo, certamente pode trazer grandes benefícios para um grande número de habitantes, mas muitas vezes a implantação das faixas implica em reduzir a largura das outras faixas.

  • O mesmo acontece com a implantação de ciclofaixas. Ou tão essenciais canteiros de árvores. 

  • Outro caso comum é a decisão de aumentar o número de faixas em uma via. É comum encontrar em São Paulo, SP avenidas que costumavam ser extremamente aprazíveis com, por exemplo, as 3 faixas com que foram originalmente projetadas e se tornaram estressantes com 4 faixas no mesmo espaço.

  • Para não falar de falta de planejamento prévio (assunto para outro post.)

Enfim, como eu queria ilustrar, “largura de vias” é um assunto certamente óbvio para os especialistas mas que costuma ser negligenciados nos debates habituais. E as deficiências frequentes das cidades brasileiras nesse tópico geram problemas sérios de segurança, mobilidade e qualidade de vida.

Concluindo

 Esse texto já ficou extenso que chega para o objetivo de fazer uma introdução para o blog. Os argumentos e parágrafos podem não ser pertinentes ou expressivos, mas os tópicos são ilustrativos.

Sinceramente, falar sobre problemas urbanos brasileiros parece um assunto pouco eficaz; que diferença um post pode fazer? Mas eu me sinto impelido a escrever, os problemas são reais; melhorar é possível e necessário; chamar atenção para um tema ou outro pode ser útil.

Next
Next

Searching for Succulents?